Archive for the ‘Fazendo algum sentido’ Category

Guerra (e Escavações Torácicas).

maio 3, 2010

Cada pessoa lida com os acontecimentos do seu jeito. Isso me fascina. Isso me assusta, também. Tem gente que é de guerra, gente de paz, e ainda há aqueles que preferem manter-se alheios a tudo que se passa ao seu redor.

Certo dia olhei para os meus pés e vi que não mais havia âncoras presas aos meus tornozelos. Noutro dia estava em outro mar, depois em outro, em outro… me acostumei a apenas assistir de longe a segurança da terra firme. Ela já não me atrai mais. Seria essa, a vida que eu sempre procurei? Aí é que reside o cerne da questão. A vida que eu sempre procurei é, justamente, viver procurando. É eternamente cavar fundo até encontrar, em peito alheio, um coração parecido com meu.

Celular piscou.

Tenho desistido da ideia de eterna felicidade. Desisti. Os momentos que a gente chama de bons momentos só são chamados assim porque existem também aqueles que queremos esquecer. Bons momentos são bombas de endorfina que amolecem os espinhos que nos insistem em perfurar as partes onde nossa pele é mais fina. E essas partes são muitas, principalmente quando estamos despidos de armadura (sempre?). Tendo isso em mente, faço o que está ao meu alcance para que esses momentos sejam numerosos, visto que eles jamais são duradouros. Endorfina vicia.

Tenho assistido a guerras, e não são as da tevê. Em mares que tangem os meus, existem explosões tentando atrair meus olhos. Explosões que pulverizam no ar todo tipo de sentimentos nocivos, perigosos. Quando tudo na nossa vida está em seu devido lugar, não nos passa pela cabeça a ideia de propalar aos quatro ventos essa falsa felicidade. Muito menos, os espinhos, que são de verdade. Forjada com lágrimas contidas, a felicidade anunciada se derrete com a chegada do primeiro sinal do amanhecer. Eu já fui para longe, e te deixo ir, contanto que não olhes mais para trás. Não com essa cara, e não com essas palavras escritas na testa.

Como é que tu pretendes lidar com isso? Conheço mil formas de se proceder; mais da metade delas parecem mais sensatas, ao meu ver. Nessa constante mudança de mares, tenho fugido para cada vez mais longe da fumaça dessas explosões. Hoje, distante a ponto de te ver como um minúsculo ponto próximo à curva do horizonte, encontro-me às portas de uma nova vida, aquela vida que eu sempre procurei: viver procurando. A memória recente de uma longilínea silhueta ornada pelos iluminados prédios da metrópole, mesmo sendo fruto de um mero retrato imaginário e possivelmente efêmero, tem me guiado para longe da tua guerra. E para cada vez mais longe da terra firme. Aqui a água é fria, e a hipotermia me força a dar braçadas cada vez mais convictas, em sentido oposto ao dos teus passos.

Celular piscou de novo. Ainda não. Ich V. D.

As baixas que a nossa guerra fria estampa nos jornais são justamente os sentimentos bons, os sorrisos verdadeiros e as memórias que valiam a pena serem guardadas.

Mortos um a um, restam apenas os feridos: eu e tu.

Sobre Coisas que Cabem em Um Mês.

abril 8, 2010

A preguiça física nos impede de mudar. Mas basta uma faísca entre dois neurônios para que nossa mente nos aponte para outra direção. Das duas uma: ou tu segues as novas coordenadas, que te podem levar por terrenos inóspitos e até mesmo campos minados, ou optas por permanecer no curso antigo, ignorando a intermitente buzina que te avisa: “estás no caminho errado”.

Não digo “errado” no sentido mais amplo da palavra. Talvez sejam justamente as instruções antigas, as que estavam corretas. Mas acredito que, às vezes, precisamos deparar com um beco sem saída para descobrirmos que o caminho é pro outro lado. A vida já cansou de me provar repetidamente que a escolha certa é justamente a que me parece mais errada. Mas a gente precisa errar. Mas não errar por engano, por distração, displicência. Eu erro com força, e com vontade. Eu erro melhor, para errar menos.

E, sim, saio errante pela rua, torcendo pra chuva não me pegar, ou enxarcar cada centímetro da minha pele. Não é que eu esteja deixando a maré me levar, como se fosse plâncton. Eu erro por aí na tentativa de acertar. Depois de perceber que, sempre que acho que estou fazendo a coisa certa, descubro que estou machucando alguém, tenho apostado cada vez mais no que não me parece sensato. Improvável? Vamos. Impossível? Não existe. Impensável? Bora!

Sigo a maré das sinapses. Se a mente muda, eu mudo. Somente assim eu posso ser cem por cento sincero com aquele que mais estimo: eu. Egoísta: para caralho, mas se eu não fizer as coisas por mim, sei que minha mãe não as pode fazer, e nem tenho mais idade para isso. Dirijo com o tanque na reserva, mas é para voar baixo.

“Tá, mas o que é que cabe em um mês?” – tu perguntas. Um ciclo lunar, um ciclo menstrual, uma copa do mundo, duas olimpíadas, um amor de verão, quatro amores de verão…

Um mês é o tempo que levei pra escrever denovo. O tempo que minha mente demorou pra mudar o curso da minha alma. Pra onde ela aponta agora? Pra bem longe.

Prometo ser mais ágil, da próxima vez.

Souvenir.

janeiro 4, 2010
souvenir (palavra francesa) s. m. 1. Lembrança. 2. Presente de amizade para servir de lembrança.

Eu procuro trazer um souvenir dos lugares por onde passo. Diria que, só de olhar para essas coisas – que, ao olho desatento podem ser insignificantes – eu sinto como se existisse algo que me fizesse voltar pra lá. É como se minhas andanças fossem marcadas por um enorme novelo de lã que carrego em mãos por onde passo. Sempre encontro o caminho de volta.

É assim com as pessoas, também. Estamos constantemente expostos ao contato dos nossos semelhantes. Preço e tamanho do souvenir que levamos pra casa são diretamente proporcionais ao significado que a gente atribuiu a esses encontros. Existem aqueles que deixam conosco apenas a mais perecível das memórias, um bilhete ilegível, ou um presente insignificante, ordinário.

Existe também a parcela que não.

Fico feliz, e abro um sorriso toda vez que olho para a minha prateleira e nela encontro as mais valiosas lembranças, das pessoas mais importantes com as quais tive a felicidade de conviver. Cada uma dessas lembranças se materializa na forma de um souvenir, cuja simples visualização me faz lembrar o porquê dele estar ali, suspenso sobre esse pequeno pedaço de madeira na minha parede.

Me pego imaginando, e tentando adivinhar em quantas prateleiras estou. Será que tudo que eu deixei nesse mundo foi aquele chaveiro esquecido numa gaveta qualquer? Ou será que sou eu aquela estatueta que ocupa lugar de destaque na casa das pessoas? Eu não quero passar perto, arranhar a superfície, bater de raspão. As pessoas podem viver perfeitamente sem aquelas coisas supérfluas, mas atribuem valor incalculável àquelas outras pelas quais nutrem afeto.

Nenhum ser humano é capaz de viver sem afeto. Se você acha que sim, pode fechar os olhos, pois você já morreu.

Eu quero que meu impacto nas pessoas seja sutil como a colisão de dois caminhões em sentidos opostos. Sinto que já passou da hora da gente descarrilar trens, afundar barcos, trazer ao chão os aviões. Que a marca vire cicatriz, e que todos que passarem por mim a levem consigo em suas peles, mas que não haja dor. Que as explosões nos pulverizem em pequenos, mas importantes pedaços, incrustrados nos corações daqueles que cruzarem o nosso caminho.

Sejamos importantes, eternos, e sem preço.

Chegadas e Partidas.

dezembro 27, 2009

Eu sou um aeroporto.

Na verdade, todos nós. Que outro lugar, senão um aeroporto, condensa sob o mesmo teto a alegria do encontro e a tristeza da despedida? Vejo pedaços de mim acima das nuvens, em logradouros distantes, em cidades inóspitas. Recebo, também, de todo lugar, pedaços do mundo que, como ímãs, aplicam-se sobre a minha pele e lá ficam para a posteridade, exibidos por onde passo.

Alguns têm a pista embrenhada entre matas, encoberta por nuvens de chuva, radares desligados ou intencionalmente sabotados. Tem gente que tem medo de avião.

Por medo das partidas, tem gente que não deixa ninguém chegar. São aeroportos fechados. No entanto, a gente só percebe o calor do abraço quando sente a dor de respirar o ar frio da solidão. Você brada aos céus toda sorte de impropérios, mas não percebe que vôo nenhum te encontra no radar.

Eu sou um aeroporto. Chegadas e partidas são a única certeza na minha vida. Meus olhos estão virados pro futuro, focados na estrada que se prostra à minha frente. Encontro em mim, com igual facilidade, motivos para persistência ou para desistência. E continuar pra quê? Continuo com a força do que levo pra vida. O saldo positivo disso tudo é a quantidade de aviões que acolho em meus hangares. Pedaços de histórias que conto pra mim mesmo todo dia, enquanto ergo um tímido sorriso quase que instantâneo de realização.

E você, aeroporto em greve, tá esperando o quê, olhando pra cima?

(Avião não pousa em aeroporto fechado)